Existem algumas situações que acontecem em nossas vidas que são realmente impagáveis. E eu acredito, sinceramente, que quando mandamos uma energia para o mundo, ela volta para nós, nos surpreendendo com momentos quase inacreditáveis. No entanto, na correria do dia a dia, não nos permitimos canalizar essa energia e muitas vezes ela se perde ou é gasta em outras coisas de menor valor. Mas quando estamos em uma situação de descanso e relaxamento, nos abrimos para o cosmos e isso naturalmente acontece.
Quando estive na Califórnia em visita às vinícolas, fui muito bem assistida em quase todas elas. Afinal, os americanos são muito bons de serviço e turismo. Algumas me deram uma atenção mais especial, sabendo que sou profissional do meio, outras não ligaram tanto. E as visitas iam seguindo esse padrão, até que no último dia, visitando a Mondavi, recebi de nosso guia uma dica valiosíssima. Disse que tinha um grande amigo brasileiro, Marcelo, sommelier de uma vinícola chamada Quintessa, logo ali na região. Já tinha minha agenda toda programada para o dia, mas pensei que seria muito interessante se conseguisse uma visita com o brasileiro. Certamente um brasileiro morando nos Estados Unidos por sabe lá quanto tempo, me receberia muito bem. E assim mudei minha rota para ver se o encontrava na Quintessa.
Chegando lá, me perguntaram se eu tinha reserva e me informaram que as visitações estavam lotadas até as próximas semanas. Acabei deixando um bilhete para ele, me apresentando e avisando que voltaria mais tarde. Segui com minha agenda e retornei após o almoço, somente para descobrir que ainda não haviam entregado o bilhete. Confesso que por um instante pensei se valeria à pena insistir. Mas meu feeling me disse que sim. Fiquei esperando até que conseguissem resgatar o Marcelo por um rápido instante e ele, todo atrapalhado, me cumprimentou, pediu desculpas pela correria e perguntou se eu poderia voltar no fim do dia que ele me receberia com o maior prazer. Era tudo o que eu precisava escutar.
Retornei no fim do dia, quando a vinícola já começava a encerrar suas atividades. Marcelo apareceu com um jipe, abriu a porta e me convidou a entrar. E assim saímos para um passeio na vinícola.
A Quintessa foi fundada em 1989 por um casal de chilenos apaixonados por vinho na região de Rutherford, em Napa. Com 280 acres de extensão, uma diversidade geográfica, diferentes microclimas e tipos de solo, a propriedade tinha todo o potencial para produzir um vinho de criação singular. Assim, o casal iniciou um trabalho tendo em conta práticas agrícolas que mantivessem a saúde e vitalidade da propriedade, incluindo toda a sua fauna e flora. Hoje a vinícola segue os preceitos e técnicas da biodinâmica e produz vinhos que refletem as características de seu terroir.
Já havia lido e estudado sobre os conceitos da biodinâmica, mas essa foi minha primeira experiência em uma vinícola desse estilo e com uma filosofia tão bonita. A biodinâmica é uma prática que busca trabalhar as energias que criam e mantém a vida na propriedade. Isso significa tratar a propriedade como um organismo vivo, buscando um equilíbrio para a videira e para o solo através de um cultivo orgânico, do uso de preparos naturais como fertilizante e energizante e considerando o compasso dos ciclos naturais da terra e do cosmos.
Conforme caminhava pela propriedade e ouvia as histórias do Marcelo, reparava em cada detalhe encantador desse organismo vivo. Borboletas voando ao redor das flores, um coelho saltitante passeando por entre as videiras e, acredite, um veado cruzando nosso caminho. “Daqui nada sai e nada entra”, me falou Marcelo. A propriedade é auto-sustentável. Não se utiliza tratores, pesticidas artificiais, nem aditivos químicos em seus vinhos e todo fertilizante ou pesticida é produzido ali mesmo, com elementos da própria natureza. A seleção das melhores uvas é feita manualmente e todo o processo de vinificação é feito por gravidade. As uvas são recebidas em um ponto mais alto e as etapas da vinificação acontecem verticalmente, até que o vinho descanse nas barricas, no ponto mais baixo da vinícola. Essa prática reduz o consumo de energia e a poluição do ambiente com maquinários.
Subimos e descemos morro, passamos por um lago, onde a proprietária Valéria construiu um pequeno templo de meditação chinês, passamos por um bosque e subimos novamente até o ponto mais alto da vinícola. Ali, a paisagem era estonteante e era possível ver uma boa parte da vinícola e suas parcelas. O recanto é utilizado para visitas especiais com harmonização de pratos locais com os vinhos da casa.
Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Petit Verdot e Carmenère são plantados e vinificados separadamente, por parcela, totalizando quase 100 vinhos diferentes que depois são combinados e transformam-se em um único vinho. Um trabalhão!
Depois de muitas histórias, dicas e descobertas, finalmente fomos à degustação:
Quintessa 2005, Rutherford, Napa
18 meses em barrica, 14,9%
Aromas intensos de frutas negras maduras com fundo de baunilha e toques de especiarias. Em boca, taninos elegantes, bom corpo e longa persistência.
Quintessa 2006, Rutherford, Napa
18 meses em barrica, 14,6%
Aromas de frutas negras com notas de café e baunilha. Em boca, taninos equilibrados, bom corpo e complexidade.
Quintessa 2007, Rutherford, Napa
19 meses em barrica, 14,6%
Aromas de frutas negras, notas de café e especiarias. Em boca, bom corpo, intensidade e taninos marcantes.
A experiência na Quintessa foi rica e única. Não somente foi uma visita com o calor aconchegante do Brasil ou que aguçou meus sentidos em cada gole com a expressão do terroir, mas foi também uma nova percepção da interação do ser humano com a natureza e o cosmos. Assim encerrei minha visita à região dos vinhos na Califórnia.
Saiba mais: http://www.quintessa.com
Estava esperando o seu relato sobre esta vinícola em particular… Que preciosa experiência! As sensações, sabores , perfumes e imagens únicas ficarão gravadas como um selo em vc, nesta busca de seu interesse que nos fez nosso tambem. Parabens e nos brinde sempre com sua sencibilidade, talvez mais que com os tesouros desta arte que é inspirada pelos Deuses, creia…
Falar ou descrever sobre o Marcelo, não é dificil pois me lembro do dia em que fui almoçar com êle lá na Faria Lima , talvez a uns 30 e poucos anos atrás êle estava trabalhando no ITAU, e em conversa me pediu sigilo pois estava se preparando para ir ao USA, eu pensei que êle iria passar suas férias e voltar, assim como todos nós, Orlando, Miami, California, São Francisco, muito bem! o resto vcs sabem, passou por tudo, todos trabalhos que o mercado oferece aos brasileiros que chegam para desbravar a AMÉRICA, mas sua garra, sua perseverança, o tornou em um persecutório profissional, ao alcançar sua vitória. Inteligente, simpático, sempre com um sorriso nos lábios, uma pessoa que podemos ficar horas conversando sobre todas assuntos, de uma humildade tamanha. Hoje nós vemos o MARCELO um grande BANDEIRANTE Brasileiro, onde Foi Viu e Venceu, com todos os méritos tornou-se um perito do mosto das uvas. Bem, eu ficaria horas escrevendo sobre meu amigo Marcelo, não vejo a hora de te ver e dar um forte abraço do RUI CARLOS CUNHA CANTO.