Nascida em 16 de dezembro de 1777, na cidade de Reims, Barbe-Nicole era a filha mais velha de Nicolas Ponsardin e Jeanne-Clémentine. Nicolas administrava negócios ligados à indústria têxtil fundados por seu pai. Naquela época, a principal economia da região de Champagne ainda nem era o champagne. A produção de tecidos e vestuário tornou Nicolas Ponsardin um homem rico muito influente, possuindo inclusive certa facilidade para frequentar os palácios e circular entre a nobreza da França. Sua ambição e envolvimento com a realeza o levou a gastar uma enorme quantia na construção de sua mansão, instalada no coração do importante centro comercial de Reims, em estilo extravagante, associado a Luis XVI. Rodeada por luxuoso jardim, foi aí que Barbe-Nicole passou sua infância ao lado de seus irmãos. Dessa maneira, Barbe-Nicole viveu sua juventude à sombra de seu pai, o grande empresário têxtil.
Barbe-Nicole tinha 11 anos quando a Revolução Francesa estourou. O período que vai de 1789 a 1799 foi de intensa agitação política e social na França inteira. E foi nesse clima que Barbe-Nicole se casou em 1798, aos 20 anos de idade, com François Clicquot, herdeiro da Maison Clicquot-Muiron. Curiosamente, o casamento foi celebrado com discrição e em segredo numa adega subterrânea e, diga-se de passagem, nenhum outro local teria sido mais adequado para celebrar um casamento que mudaria a história do vinho. Até o momento de sua união com François, ela não tinha conexão pessoal alguma com o champagne do qual o nome Clicquot um dia seria sinônimo.
Os recém casados receberam de Nicolas uma grande fazenda, dois moinhos de vento e uma boa quantia em dinheiro. Philippe, o sogro, deu a eles mais capital, um bosque em Quatre-Champs e extensos campos em Tours-sur-Marne e Bisseuil, excelentes propriedades no coração do país do vinho francês. Tinham assim, recursos para sonhar, e sonharam com vinhos desde o começo.
Tal qual o sogro, François possuía grande habilidade para os negócios, além de ser profundo conhecedor do ramo dos vinhos. Barbe-Nicole costumava lhe fazer companhia em suas andanças pelos vinhedos e em suas viagens de negócios por diversas cidades européias. Em 1805, a empresa já exportava cerca de 110.000 garrafas por toda a Europa. Nesse ano, tendo contraído uma febre infecciosa, François morreu subitamente, deixando Barbe-Nicole viúva aos 27 anos de idade.
Recusando-se a fechar a empresa do marido conforme os planos de seu sogro, Philippe, Barbe-Nicole tomou a decisão de assumir os negócios de seu falecido marido, mesmo sem treinamento ou experiência anterior. De início, associou-se prudentemente a um empresário que entendesse de comercialização de vinhos. Aos poucos, ela foi familiarizando-se com as operações de compra e venda, e aprofundando seus conhecimentos a respeito de plantio de uvas e elaboração de vinhos. Dessa forma, em pouco mais de uma década, ela conseguiu transformar o pequeno negócio de vinhos de família na mais importante casa de champagne do século XIX.
O início daquele século trouxe a era napoleônica e com ela as guerras, restrições econômicas e bloqueios comerciais por terra e por mar que dificultaram demais a vida do inimigo, mas, em contra partida, atingiram diretamente os comerciantes franceses, trazendo sérias consequências ao setor dos vinhos.
Enfrentando complicados tempos políticos e incontáveis revezes financeiros, com firmeza, astúcia e perseverança, Mme. Clicquot tornou-se uma das mais ricas mulheres de seu tempo. Mas faltava-lhe ainda vencer a batalha pela qualidade.
De sua inquieta busca por um produto melhor, nasceria o “remuage”, uma suave rotação semanal por que passam as garrafas de champagne durante a segunda fermentação. Após várias experiências, ela viu que as garrafas deveriam permanecer levemente inclinadas, permitindo assim que os resíduos se concentrassem no gargalo. Após um resfriamento controlado, esse líquido congelado do gargalo era removido, resultando numa bebida de limpidez absoluta. Essa, com certeza, foi a maior contribuição de Mme. Clicquot à história dessa incomparável bebida.
Aos 40, Mme. Clicquot já era uma das mais ricas e mais celebradas mulheres de negócio em toda a Europa. Por muitos anos, ela liderou o império comercial internacional do champagne. Ela foi, de fato, uma mulher revolucionária, pois abriu novos horizontes para as mulheres no mercado de trabalho, quebrando estereótipos e tradições sociais machistas. A ela seguiram-se a viúva Louise Pommery, Lily Bollinger e Mathilde-Émile Laurent-Perrier. Ainda hoje, a casa de Champagne Veuve Clicquot Ponsardin é tocada por uma mulher, Mme. Bennefond, desde 2001.
Quando ela faleceu aos 89 anos, era ainda mais milionária do que quando nasceu. Mas o legado que ela deixou é imensurável. Hoje quando pensamos em champagne, pensamos em Veuve Clicquot. A garrafa do rótulo laranja está presente no mundo inteiro, para nossa felicidade.
Espero que esse breve relato sirva de subsídio a nossos estimados leitores, para ampliar seus conhecimentos ligados ao champagne, encorajando-os a se aprofundar um pouco mais, a espoucar outras garrafas e a degustar mais vezes a “bebida dos reis”. Afinal de contas, esse é um vinho convidativo e caloroso para um aperitivo entre amigos, festivo para um aniversário, uma vitória ou um réveillon, romântico para um jantar íntimo, solene para um casamento, enfim, ele simboliza alegria, festa e celebração.
Um brinde à vida!
Maria Uzêda