Descrever a Espanha e suas regiões vinícolas em um único post é um tanto desafiador. Isso porque a Espanha além de ser um território extenso, com uma grande diversidade geográfica e climática, possui produção vinícola por praticamente todas as suas terras, fato que a torna o país produtor com o maior percentual de área plantada com vinhas e o terceiro maior produtor de vinho no mundo. Sua história é também muito rica e apresenta alguns acontecimentos marcantes, que serviram de pano de fundo para o curso de sua trajetória no mundo vinícola, conferindo-lhe o merecido respaldo e reconhecimento mundial que possui hoje.
Aqueduto romano em Segóvia, Espanha.
Os primeiros registros arqueológicos da presença da viticultura na Espanha datam de cerca de 4.000 a 3.000 anos antes de Cristo, muito antes da era dos fenícios, dos cartagenos e dos romanos, fato esse que pode explicar as mais de 400 variedades de uvas existentes hoje na Espanha. No tempo dos romanos, a Espanha, já conhecida como Hispania, exportou seus vinhos para quase toda a Europa, dando início a seu primeiro mercado de exportação. Mas com a queda do império romano e a invasão dos mouros, houve um período em que o consumo de álcool foi proibido por motivos religiosos. Com a Reconquista espanhola, o país voltou a produzir e a exportar seus vinhos, tendo como principal mercado a Inglaterra.
A partir daí, inúmeros fatores propiciaram importantes mudanças na história da produção de vinhos na Espanha. Um deles foi a expansão do império hispânico nas Américas, que abriu novos mercados após 1492. Outro fato se deu em meados do século XIX, conforme comentamos na matéria intitulada “Bodegas López de Heredia“, quando a epidemia da filoxera se alastrou pela França e levou muitos franceses a abrir negócio na vizinha Espanha, especialmente na região de La Rioja. Nessa ocasião, métodos bordaleses foram implantados, dando início definitivo ao uso de barricas de 550 litros para elaborar seus vinhos tintos e, igualmente, seus brancos. Diga-se de passagem, essa herança francesa deu origem a uma ferrenha tradição de passar vinhos tintos e brancos por barrica, o que muitas vezes escondia sabores e aromas da variedade da uva, por isso, hoje há uma tendência de deixar os vinhos menos tempo sob a influência da madeira para valorizar a fruta.
Vinícola Lopez de Heredia em La Rioja, Espanha.
Outros fatos expressivos como o retorno à democracia em 1978 e a entrada da Espanha na União Européia em 1986 impulsionaram a indústria vinícola espanhola nas últimas décadas. Novos métodos de plantio, condução e poda nos vinhedos, modernização dos equipamentos nas adegas e, recentemente, o uso da irrigação autorizado por lei em 2003, levaram a um expressivo aprimoramento da qualidade dos vinhos espanhóis que cada vez mais vêm conquistando os enófilos do mundo inteiro.
A Espanha vinícola divide-se em três partes: o Noroeste que inclui as frias terras litorâneas da Galícia e, no interior, Castilla Y León com terras altas e quentes; o Nordeste que abrange La Rioja, Navarra, Aragón, Catalunha e ilhas Baleares; e o Centro e Sul, com as regiões de Castilla La Mancha, Extremdura, Valencia e Murcia, Andaluzia e ilhas Canárias.
Vinícola Abadia Retuerta na Ribeira del Duero, Espanha.
A legislação vinícola espanhola reformulada em 2003, elevou seu grau de exigências em relação às categorias já existentes e acrescentou duas novas: DO Pago e VCIG. Veja a seguir, a classificação vinícola espanhola vigente:
– Vino de mesa (VdM): esse vinho não pode indicar no rótulo a origem regional, a cepa nem a safra.
– Vino de la tierra (VdlT): semelhante ao “Vin de pays” da França, esse vinho é menos regulado que os DOs e os VCIGs, e é proveniente de área bem mais vasta.
– Vino de Calidad con Indicación Geográfica (VCIG): categoria criada em 2003, inclui os vinhos que apresentam bom desempenho e podem ser promovidos a DO, se mantiver essa condição por, no mínimo, 5 anos.
– Denominación de Origen (DO): semelhante ao vinho francês de “Appellation d’Origene Contrôlée”, esse vinho deve representar o estilo da sua região de origem e seguir as leis locais. Essa categoria é controlada pelo Conselho Regulador e por um Comitê Independente.
– Denominación de Origen Calificada (DOCa): entra nessa categoria o vinho que possuir alta qualidade constante por pelo menos 10 anos.
– Denominación de Origen de Pago (DO Pago): categoria recentemente criada para “premiar” os melhores vinhos de vinícolas com histórico de qualidade e reconhecidamente considerados excelentes.
De modo geral, os vinhos espanhóis são classificados de acordo com o tempo que passam nas adegas:
– Vino de Denominación de Origen Simples ou Sin Crianza: são os vinhos jovens, sem passagem por barrica, prontos para o consumo.
– Vino de Crianza: vinho que passa um mínimo de 6 meses em barrica e 18 meses em aço inoxidável ou em garrafa, contando um total de dois anos antes de chegar ao mercado.
– Reserva: vinho que passa um mínimo de 12 meses em barrica e 2 anos em garrafa, somando um total de 3 anos antes da venda.
– Gran Reserva: vinho que passa um mínimo de 18 meses em barrica e 3 anos e meio em garrafa e não pode ser vendido antes de 5 anos.
Em relação às cepas, apesar de a Espanha possuir centenas de varietais, somente cerca de vinte cepas entram na elaboração dos vinhos espanhóis. As principais tintas são:
– Tempranillo: essa é a tinta emblemática do País; é destaque na região de La Rioja e em Ribeira del Duero onde é chamada de Tinto Fino; encontrada também na região de Toro onde é chamada de Tinta de Toro, na Catalunha, com o nome de Ul de Liebre e em Castilla La Mancha como Cencibel. Segundo nosso saudoso Saul Galvão, essa cepa é a “marca registrada” dos tintos da Espanha.
– Garnacha: cepa de origem francesa (Grenache), dá corpo e álcool aos tintos; encontrada principalmente na região do Priorato.
– Cariñena: cepa de origem francesa (Carignan), dá vinhos com sabores de ameixas pretas e pimenta do reino; utilizada no Priorato e em La Rioja onde é conhecida como Mazuelo.
– Graciano: cepa que entra em pequenas proporções nos tintos de classe de La Rioja, emprestando-lhes cor e acidez.
– Mencía: cepa clássica da região de Bierzo (Castilla Y León), muito similar à Cabernet Franc.
– Monastrel e Bobal: cepas com significante presença no leste espanhol, na região do Levante (Valencia e Murcia).
Além dessas, tintas como Cabernet Sauvignon, Merlot, Malbec e Pinot Noir entram também na elaboração de muitos tintos espanhóis.
Vinhedos da Vega Sicilia na Ribera del Duero, Espanha.
Dentre as principais cepas brancas, encontramos:
– Airén: cepa branca mais plantada no país, cultivada principalmente na região de Castilla La Mancha.
– Albariño: conhecida em Portugal como Alvarinho onde entra na elaboração dos famosos vinhos verdes, essa cepa é típica da região de Rias Baixas, na Galícia, e gera vinhos frutados e com boa acidez.
– Macabeo: muito cultivada na Catalunha, essa cepa entra na elaboração do famoso espumante espanhol, o Cava, conferindo-lhe vivacidade e acidez; também chamada de Viura em La Rioja, onde é a mais importante cepa que compõe o corte do Rioja branco, pois dá ao vinho boa estrutura e grande capacidade de envelhecer.
– Parellada: cepa que dá corpo e cremosidade aos Cavas espanhóis; também produz vinhos tranquilos, frutados, com toque cítrico.
– Xarel-lo: cepa importante na elaboração do Cava, dando complexidade e propiciando capacidade de amadurecimento.
– Verdejo: cepa que produz vinhos leves aromáticos e com boa acidez na região de Rueda (Castilla Y León).
– Palomino: essa é a grande uva branca com a qual é elaborado o Jerez, na região de Andaluzia, ao sul da Espanha; o Jerez é um vinho fortificado espanhol e um dos mais antigos vinho finos do mundo.
– Pedro Jiménez: cepa também usada na produção do Jerez, em geral, na versão mais adocicada.
Esperamos que, nesses poucos parágrafos, tenhamos conseguido proporcionar aos nossos leitores uma ideia abrangente do cenário tão peculiar, extenso e complexo que caracteriza a Espanha vinícola.
Encerramos com um pensamento de Saul Galvão que recomenda: “Um bom vinho espanhol deve ter equilíbrio entre a fruta e o paladar da madeira. Esse é um detalhe importante que o consumidor deve lembrar ao avaliar um vinho espanhol.”
Cristina Almeida Prado e Maria Uzêda.
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